NOVO PROJETO PREVÊ MUDANÇAS DA LEI DE DIRETO AUTORAL. AS OPINIÕES JÁ ESTÃO DIVIDIDAS E ATÉ A APROVAÇÃO DO NOVO TEXTO, MUITA COISA PODE MUDAR

Lara Berol

Brechas para a impunidade? - Revista Ver Vídeo São Paulo: NBO Editora, pág. , 14/10/2010

A possível reformulação da Lei de Direito Autoral já causou rebuliço nos principais setores da indústria cultural do país. O Ministério da Cultura (MinC) abriu em seu site um espaço onde o internauta pudesse deixar sua opinião sobre o novo texto. O objetivo dessa consulta pública foi apresentar o projeto do novo texto da lei à população e angariar opiniões a fim de aprimo- rar alguns aspectos.

O propósito, no entanto, com o novo texto, é tornar flexíveis algumas amarras que impedem diversos processos por conta da lei. Atualmente, é considerado ilegal reproduzir músicas em comemorações como casamentos e aniversários.  O professor que exibe um DVD durante uma aula, também está descumprindo a lei. Outras proibições ainda mais peculiares chamam a atenção; caso um cego deseje ouvir a leitura de um livro, recurso presente no Kindle, ele deverá fazer somente com fones de ouvidos, caso contrário, estará compartilhando e “exibindo” o conteúdo a outras pessoas.

Visando diminuir essas barreiras, que representam não só um atraso no acesso à cultura para a população, mas também uma perda por parte dos artistas, que deixam de ter seu trabalhado exibido.

Mas nem tudo é tão simples. Enquanto o Ministério pretende facilitar o acesso, as entidades que defendem os direitos dos artistas temem que essa mudança atinja diretamente os detentores dos direitos sobre as obras.

No dia 31 de agosto, encerrou-se a consulta pública ao novo texto. Foi contabilizado um total de 8.431 manifestações. Sendo que desse número, 7.863 foram feitas pela internet e 568 por email ou documentos impressos. Quanto ao conteúdo dessas manifestações, apenas 58% delas traziam sugestões para aperfeiçoamento do texto e 42% traziam posicionamentos, mas sem nenhuma proposta. O MinC também contabilizou centenas de acesso, provenientes de um mesmo endereço de IP, que na maioria das vezes traziam posicionamentos contrários à proposta do novo texto.

Até ser enviado para o Congresso, em dezembro deste ano, como planeja o Ministério, o projeto de lei passará por uma reestruturação em seu texto, levando em consideração algumas sugestões tiradas a partir da consulta pública. Um balanço do que, se acatado ou descartado, ainda será feito.

Para explicar melhor este cenário, VER VÍDEO conversou com o advogado e coordenador do curso Direito e Comunicação do Instituto Internacional de Ciências Sociais (IICS), Marcos Bitelli, que falou sobre o que poderá acontecer caso o novo projeto seja aprovado.

 

VER VÍDEO – A mudança na lei prevê que ela se torne mais flexível, porém, quais serão os resultados na prática tanto para os autores e para os consumidores?

MARCOS BITELLI – Ainda não estamos diante de uma mudança da lei. Depois de ser enviado ao Congresso Nacional, o projeto de lei deverá ter uma tramitação longa e bastante complexa. É difícil analisar resultados de um projeto na prática. O que se vê de uma leitura geral das propostas é realmente uma flexibilização do absolutismo do direito autoral, também chamado de direito de exclusivo, que deverá se subordinar a uma série de princípios e condições ainda não presentes na lei vigente. Por outro lado, traz a figura de licenças compulsórias que podem ser decretadas pelo presidente da república, que são um precedente delicado para quem é produtor ou titular de produtos protegidos por direitos autorais. Para os consumidores de fato, o desrespeito aos direitos de reprodução, por exemplo, já é tão grande no Brasil que na prática talvez não mude nada e a pirataria continue a mesma coisa. Talvez para alguns produtores possa haver alguma liberdade maior no uso de direitos autorais de terceiros.

VER VÍDEO – Existirão implicações diretas para o mercado do home vídeo depois que as mudanças da lei do direito autoral entrarem em vigor?

BITELLI – Caso o texto fosse aprovado hoje, preocuparia especialmente as licenças compulsórias, os direitos de utilização por cineclubes, por escolas e outros usuários. O aumento das exceções às proteções autorais é algo que enfraquece os direitos e podem trazer prejuízos ao setor. Todavia, tudo isso ainda é um texto que não está em processo de deliberação legislativa.

VER VÍDEO – Do ponto de vista legal, a partir do momento da aprovação na nova lei, a pirataria perderia força?

BITELLI – Não há na consulta pública nenhum elemento no texto que autorize a se entender que a pirataria perderia a força. Talvez o efeito seja contrário. Nesta parte de direitos de reprodução, a maior flexibilização dos direitos pode ser uma maior tolerância ainda à pirataria. Basta ver a questão das licenças compulsórias. Caso se entenda que uma obra está esgotada, pode se pedir ao Governo que outorgue uma licença compulsória, como se a obra tivesse em domínio público. Os leigos vão achar que uma obra esgotada pode ser pirateada. O que não é o que a lei diria, mas se na prática o Governo, após um processo administrativo, poderia fazê-lo, para que percorrer todo o caminho? O pessoal vai acabar dizendo que está disponível. E, aí, para poder frear isso vai ser complicado. Obra audiovisual não é remédio. Este conceito é de patentes e não de obras universais, que só caem em domínio público após dezenas de anos.

VER VÍDEO – Sobre os novos processos de falsificação, como os feitos em laboratórios profissionais, sem registro de propriedade, qual é a pena? Como serão combatidas essas práticas?

BITELLI – Em direito autoral, não existe registro de propriedade para provar titularidade. A lei em consulta pública não fala de questões penais, é uma lei civil e não trata deste assunto. A contrafação de obras audiovisuais continua sendo tratada pelo Código Penal, como sempre foi, e a pena para esses casos é de dois a quatro anos de reclusão e multa.

VER VÍDEO – Várias entidades defendem a manutenção do atual texto. Como o senhor vê esse impasse?

BITELLI – Há impasses em todos os artigos propostos uma vez que a mudança do status vigente sempre altera a posição de alguém que viva dos privilégios naturalmente outorgados por uma lei de proteção de propriedade intelectual. Toda lei deste feitio, como as demais que tratam de marcas, patentes, invenções e softwares são leis que tratam de privilégios ou direitos que terceiros devam respeitar. A discussão, todavia, é interessante. Não há revisão de lei que não cause estes embaraços e não há lei possível que agrade a todos.