Mercado de conteúdos OTT e sob-demanda vive incerteza tributária e regulatória
Fernando Lauterjung
Tela Viva
A indefinição regulatória e, sobretudo, tributária sobre o vídeo sob demanda limitam o desenvolvimento do serviço. As discussões sobre o modelo a ser adotado na regulação e na tributação já duram cinco anos e, até agora, não há uma previsão de quando os problemas estarão resolvidos. Durante o Brasil Streaming 2019, realizado nesta segunda, 22, por TELETIME e TELA VIVA, foram debatidos os principais pontos de incerteza na distribuição de conteúdos por streaming, desde a falta de uma política clara de cobrança da Condecine sobre os serviços de vídeo-sob-demanda até as limitações para que grupos de telecomunicações produzam conteúdos e empresas de conteúdo distribuam seus serviços diretamente ao consumidor. Tudo isso, passando pela perspectiva de que a Anatel entenda que conteúdos lineares distribuídos no modelo OTT sejam enquadrados como serviços de telecomunicações.
Conforme lembrou Eduardo Carneiro, superintendente de Fiscalização da Ancine, o parte do Conselho Superior de Cinema acordou em adotar a cobrança de Condecine baseada em um modelo híbrido, através do qual o prestador do serviço pode escolher em ser tributado por catálogo, ou por percentual da arrecadação com assinatura ou transação. Entretanto, segundo ele, a proposta está na Casa Civil, aguardando uma definição sobre como se encaminhará a proposta legislativa. “Cabe ao governo decidir se encaminha como uma Medida Provisória, como era a nossa ideia no ano passado, ou se encaminha ao congresso um Projeto de Lei”, disse.
De acordo com Fábio Lima, managing director da Sofá Digital, a indefinição regulatória e tributária atrapalhou e segue atrapalhando o desenvolvimento do mercado. “Nos últimos cinco anos, não avançamos com a regulação e nem colhemos dados sobre o mercado”, disse.
Na questão do vídeo-sob-demanda, há um problema específico referente à tributação. É unânime no setor que a tributação vigente – que não está sendo recolhida, vale lembrar – não é viável. Pelas regras atuais, o VOD se enquadra na categoria “Outros Mercados” da Condecine, paga por título e com valores que podem limitar os tamanhos dos catálogos ou mesmo algumas modalidades do serviço.
O “vício original” da incidência da Condecine sobre o VoD foi tentar tratar o serviço como outros mercados, diz Marcelo Bechara, diretor da Abert. “A MP 2.228/01 tem uma tabela de preço para cada mercado. O “Outros Mercados” é destinado a mercados residuais, não tão relevantes como os do mainstream. Mesmo em 2001, isso já era um equívoco”, diz. Segundo ele, não há entre os players um movimento para não recolher a Condecine. Pelo contrário, a ideia é criar um modelo viável, com valores que não inviabilizem os serviços. Sobre o legado, os anos de não recolhimento até que se chegue a uma definição, Bechara defende que seja anulado, com a anulação da Instrução Normativa da Ancine que definiu o modelo de cobrança. “Temos que esquecer isso tudo”, diz.
Para o advogado Marcos Bitelli, hoje o audiovisual deveria trabalhar apenas com dois direitos só: a sala de cinema e o resto. Segundo ele, não faz mais sentido ter tantos modelos de arrecadação de Condecine em um mercado que tende a concentrar a negociação de direitos. “Os estúdios negociam ’25 janelas’. Catch-up TV é um direito específico. Ninguém mais vai conseguir vender direitos assim, em pedacinhos. Depois do cinema, vem o resto, que é o anywhere e everywhere”, diz.
Fernando Magalhães, diretor de programação da Claro Brasil, diz que muitos títulos disponibilizados hoje nas plataformas de VOD sequer conseguiriam faturar o suficiente para bancar o custo tributário, mesmo levando em conta o desconto na contribuição aplicado ao conteúdo nacional. Segundo ele, metade dos filmes nacionais no catálogo do Now, maior plataforma de TVOD da América Latina, não poderia ser disponibilizada na plataforma se fosse cobrada a Condecine. Se além da Condecine for colocada uma margem de ganho da empresa de 20%, natural para qualquer empreendimento privado, a inviabilidade chegaria a 95% dos conteúdos nacional.
Linear vs. não-linear
O painel abordou ainda a questão levantada pela Claro junto à Anatel sobre a legalidade dos serviços de streaming com conteúdo linear prestado pelas programadoras de TV diretamente ao consumidor. Para a operadora, a linearidade faria com que tais serviços tivessem que seguir as regras trazidas pela Lei do SeAC. Com isso, os prestadores do serviço seriam operadoras de telecomunicação, sendo impedidas de também programar o conteúdo.
Segundo a advogada Elinor Cotait, do escritório Mundie Advogados, se o entendimento da Anatel for o mesmo da Claro, “vamos parar no passado”. Ela fez uma analogia com a reserva de mercado imposta pela Lei de Informática.
“É uma questão básica e simples: serviço de telecomunicação está definido na Lei Geral de Telecomunicações. A Lei o SeAC diz que Serviço de Acesso Condicionado é o serviço de telecomunicações que faz ‘xyz’. Se a Anatel disser que quem não detém o meio de telecomunicação e não pode controlar os processos descritos na LGT, vejo um retorno à reserva de mercado da lei de informática.”, disse.
Para a advogada, a questão levantada pela Claro parece ser mais um movimento de autodefesa e não de ataque. “Autodefesa do regulador, e não dos seus concorrentes”, disse.
Para Bechara, da Abert, a operadora está num movimento de entender que não vale a pena o custo regulatório e tributário do SeAC, e que ela poderia, ela mesmo, fazer um OTT em sua rede, se livrando de tal custo. “Querem a chancela da agência reguladora no sentido de que OTT não é telecom, para que possam fazer o mesmo”, especulou.
Segundo Fernando Magalhães evitou dar detalhes sobre a estratégia da Claro, ms ressaltou que a empresa busca por uma assimetria regulatória. “Se não houvesse um excesso regulatório, não teríamos chegado a este debate aqui”, diz. Ele reforça que o questionamento da Claro é exclusivamente sobre o conteúdo linear. “Não estamos falando de OTT em geral, como Netflix, HBO Go e Amazon Prime, diz. No entendimento de Marcelo Bechara, contudo, prevalecendo na Anatel a tese colocada pela Claro, nenhum grupo de comunicação no Brasil poderá oferecer seus serviços de conteúdos diretamente ao assinante porque empresas de conteúdo não poderiam prestar serviços de telecomunicações.
De acordo Bechara, linearidade é um termo que sequer aprece na regulamentação do setor. “No conceito do SeAC não tem a palavra linearidade. Linearidade não é uma discussão de telecomunicação, mas de conteúdo. É uma discussão para Ancine, não para a Anatel”, disse. Segundo ele, o presidente da Anatel já respondeu à pergunta da Claro, quando enviou um ofício ao presidente do Senado, pedindo uma aceleração do PLC 79, que está pronto, e apontando a necessidade de se rediscutir a Lei do SeAC. “A Anatel entende que a lei precisa de um ajuste, justamente por causa dos assuntos colocados aqui neste debate”, disse.