Especialistas divergem sobre necessidade de mudar lei para aprovar fusão AT&T/Time Warner
Samuel Possebon
Tela Viva
Para o advogado Marcos Bitelli, especialista em direito da comunicação e da TV paga, não é preciso mudar a Lei do SeAC para resolver o impasse colocado pelo processo de fusão da AT&T/Time Warner. Ele defende que as limitações do artigo 5 e 6 da lei 12.485/2011, que estabelece o marco legal da TV paga e impõe as restrições de propriedade cruzada entre operadores e distribuidores, não se aplicam a programadores internacionais. “O conceito de programadora internacional é muito anterior à Lei do SeAC, vem da MP 2.228/2001. A Turner já tinha canais fornecendo programação para o Brasil a partir do exterior muito antes da Lei do SeAC. A lei não estava preocupada com a programação feita do exterior para o Brasil. Elas não têm sede no Brasil e sempre estiveram no exterior”. Para ele, a lei pode estar “caduca”, como definiu o presidente da Anatel Leonardo Euler, “e mereceria melhoramentos”, segundo Bitelli, mas isso não significa que a lei proíba uma operação como a compra da Time Warner pela AT&T. “A lei não endereçou a situação de uma empresa de telecomunicações com presença no Brasil e uma programadora com sede no exterior, e isso é cristalino”.
O caso que está colocado pela Anatel é o fato de, no Brasil, a AT&T ser controladora da Sky, uma empresa de telecomunicações, e ao mesmo tempo a Warner Media ser controladora dos canais Turner e HBO, que estão presentes no Brasil.
Para Marcelo Bechara, diretor de relações institucionais do Grupo Globo, as duas procuradorias das duas agências já foram bastante categóricas em relação a estes assuntos e, para ele, a legislação é muito clara. “É importante lembrar que as teles não podem produzir conteúdo apenas para SeAC e para radiodifusão, que é o que está na lei, mas nada impede que produzam conteúdos para vídeo-sob-demanda. Mas para ser programador estrangeiro no Brasil tem que ter sede. Quer mudar a lei, ok, mas o local disso é no Congresso, não na Anatel”. Para o ex-presidente da Ancine, Manoel Rangel, a Lei do SeAC claramente impede que uma empresa produtora de conteúdo tenha participação em empresas de telecomunicações e vice-versa. “O artigo 5 é claro e existe uma interpretação canônica, assim como é a aplicação do SeAC para qualquer entrega de conteúdos lineares”, diz ele, lembrando que a Anatel já enfrentou essa questão logo que a Lei do SeAC foi aprovada nos casos em que havia propriedade cruzada.
Para Marcos Bitelli, ainda que a Anatel esteja olhando a questão entre os diferentes setores afetados, ela não pode ignorar que existe o interesse do consumidor, e lembra que a agência não pode na esfera administrativa tomar decisões sem considerar as consequências práticas de seus atos. “Não se pode usar a legislação para defender interesses corporativos, que podem mudar amanhã, e sem considerar os efeitos absurdos de determinadas decisões”.
Marco convergente
Para o pesquisador sênior do Centro de Políticas, Direito, Economia e Tecnologias de Comunicações da Universidade de Brasília, Murilo Ramos, o cenário criado pelos casos que estão desafiando a lei de TV por assinatura de fato apontam para a necessidade de um marco convergente, o que acabou não acontecendo quando a Lei do SeAC foi elaborada. “Meu sentimento é que estamos diante de um paradoxo em que todos têm razão e ninguém têm razão”, disse, referindo-se não apenas ao caso da AT&T mas também à polêmica sobre a prestação dos serviços de conteúdos OTT. “Não encaramos de fato uma legislação efetivamente convergente, e estou curioso em relação às decisões que a Anatel vai ter que tomar (com base nesta legislação), e fico mais curioso para as contribuições que a agência promete trazer para a discussão desse marco, que é disfuncional”.
Ele chama a atenção para a dificuldade de se estabelecer um local em que esse debate regulatório se dará, e sugere que talvez faça sentido ter Ancine e Anatel unidas. Para Manoel Rangel, a regulação do audiovisual é complexa e precisa de uma atenção específica, mas lembra que o momento não seria propício para um debate desse tipo sobre construção ou desconstrução de órgãos, sob o risco de que se perca a capacidade de regular o setor.