Discussão sobre canais de TV paga distribuídos pela Internet testa limites do conceito de SVA
Samuel Possebon
Tela Viva
Para Marcelo Bechara, ex-conselheiro da Anatel e hoje diretor de assuntos institucionais do Grupo Globo, empresas de conteúdo podem oferecer serviços de distribuição de seus conteúdos pela Internet sem que isso se caracterize como a oferta de serviços de TV por assinatura. Já para o ex-presidente da Ancine e consultor Manoel Rangel, a Lei do SeAC foi muito clara ao enquadrar como SeAC a distribuição de canais por meio de qualquer “tecnologia, processo, meios eletrônicos e protocolos de comunicação”. Não haveria, portanto, como se escapar do enquadramento no SeAC quando se comercializa, por assinatura, canais lineares. Rangel manifestou esta sua posição, por meio de parecer, nas denúncias feitas pela Claro contra Fox e Turner, em que a operadora de telecomunicações alega que os respectivos serviços Fox+ e EI Plus configurariam prestação ilegal de SeAC.
Há dois entendimentos divergentes sobre a questão. Para Marcelo Bechara, o conceito de Serviços de Valor Adicionado, previsto na Lei Geral de Telecomunicações, é muito claro ao tratar dos serviços prestados sobre a rede de telecom e que com ele não se confundem. “Esse debate é uma denúncia requentada. Não faz o menor sentido falar que isso (a oferta de canais lineares OTT) é SeAC, é telecomunicações. Se fosse assim, seria o primeiro serviço de telecom vendido pela Apple Store, em que a Apple tem uma parcela da receita, sem pagar TFI ou TFF”, ironizou o executivo, referindo-se às taxas de fiscalização e licenciamento de estações. “Onde é que está a estação da Fox? Qual é a minha área de prestador de serviços se eu sou prestador de telecomunicações?”. Para ele, o que define telecom não é a linearidade da programação, mas sim a existência de rede. “Uma empresa de conteúdo, sem uma rede que dê suporte à sua distribuição, não distribui nada, e se presta o serviço em cima da rede de telecomunicações, é Serviço de Valor Adicionado”. Para Bechara, a oferta dos serviços da Fox+, Globosat Play e qualquer outro exige, necessariamente, a contratação de um acesso à banda larga. “No caso do serviço de TV por assinatura, você pode contratá-lo sem ter a banda larga”.
Para Marcelo Bechara, a denúncia feita pela Claro leva a uma situação em que a operadora ganharia nas duas soluções possíveis. “Se a Anatel entende que ela está certa, ela impede que empresas de conteúdo possam chegar diretamente ao assinante e a distribuição só acontecerá por meio da operadora de TV paga. Se a Anatel entende que se pode fazer a distribuição OTT, a denunciante pode sair do SeAC e fazer a distribuição pela Internet, como aliás eu acho que já deveria estar fazendo há muito tempo, porque não existe nada na lei que impeça”. Ele lembra ainda que a legislação dá tratamento tributário diferente aos serviços de vídeo prestados por streaming, que são taxados pelo ISS. “Hoje temos as empresas de celular oferecendo em seus serviços conteúdos, inclusive de vídeo linear. Duvido que alguma delas esteja recolhendo ICMS sobre estes serviços”.
Lei convergente
Manoel Rangel relembra, contudo, que a Lei do SeAC foi criada em um ambiente em que se discutia justamente este cenário de convergência de redes e que durante os debates era muito clara a intenção do legislador de dar tratamento ao serviço qualquer que seja a tecnologia, ficando de fora apenas o vídeo-sob-demanda. “O SeAC é inequivocamente um serviço caracterizado pelo serviço de oferta de canais lineares ao assinante por qualquer plataforma, independente da tecnologia”, diz. Para ele, se a regulamentação exige detalhes como instalação de dispositivo de acesso (set-top), licenciamento de estação etc, é uma questão regulatória, mas que fica abaixo do que a lei coloca.
Mas o ex-presidente da Ancine vai além. Para Manoel Rangel, o debate tem como plano de fundo a disputa por conteúdos que capturem o assinante. “O plano de fundo de tudo isso são os artigos 5 e 6 da Lei do SeAC (que estabelecem as regras de propriedade cruzada). Qualquer interpretação que venha a ser dada vai deixar na mesa o mesmo problema: a competição se dá pela busca do conteúdo que atraia o assinante, e dificilmente os reguladores darão conta das demandas do consumidor”.
O advogado Marcos Bitelli chama a atenção para um outro ponto de conflito que está sendo aberto com o debate sobre a distribuição de conteúdos OTT. “A Internet foi regulada pelo Marco Civil da Internet, e ele claramente separa o campo dos provedores de aplicações e conteúdos do campo dos provedores de acesso. O que é feito na esfera dos provedores de conteúdo não é regulado. Fico só imaginando o que a sociedade civil que brigou pelo Marco Civil diria se vissem que estamos discutindo aqui sobre a possibilidade de regular o que é distribuído pela Internet”. Para ele, uma decisão da agência que limite a oferta de conteúdos OTT é, essencialmente, ruim ao consumidor.
Já o advogado Roberto Pessoa, especialista em questões concorrenciais, aponta para um problema que tende a ficar mais relevante, que é o entendimento sobre mercados relevantes e de que maneira o segmento de vídeo OTT impacta o mercado de TV por assinatura tradicional. “Até aqui, o tratamento era de dois mercados relevantes distintos, mas a Anatel e o Cade reconhecem que o OTT exerce pressão sobre os players de TV por assinatura tradicional. O que é essa pressão é pouco claro, mas parece que é a possibilidade de as pessoas recorrerem a outra alternativa. Existe uma sincronia entre Anatel, Ancine e Cade nesse ponto. Mas o caminho natural parece ser o reconhecimento de que existe uma junção nesse mercado”. Abraão Balbino, superintendente de competição da Anatel, reconhece que esta questão passa por todos os casos sobre os quais a Anatel está se deparando, e ele ressalta que esta dinâmica concorrencial será variável a ser colocada pelo conselho diretor para as decisões que vierem a ser tomadas. “Estamos diante de questões controversas. Estas perspectivas de atualidade e perspectiva técnica e dar insumos para a atualização normativa