O Sucesso do cinema brasileiro e o paradoxo da cota de tela

Marcos Alberto Sant Anna Bitelli

Revista Exibidor São Paulo: Tonks, pág. 40

As políticas de cotas são implementadas com base nas chamadas “discriminações positivas” visando corrigir eventuais distorções em desfavor de determinados grupos, classes ou categorias de pessoas ou agentes de mercado. Quando se fala de comércio e serviços, de acordo com os tratados e convenções internacionais relacionados a filmes cinematográficos, tais restrições de dão por meio de cotas de projeção.

As políticas de cotas são implementadas com base nas chamadas “discriminações positivas” visando corrigir eventuais distorções em desfavor de determinados grupos, classes ou categorias de pessoas ou agentes de mercado. Quando se fala de comércio e serviços, de acordo com os tratados e convenções internacionais relacionados a filmes cinematográficos, tais restrições se dão por meio de cotas de projeção. As cotas ou reservas de mercado devem ser sempre temporárias e regressivas à medida que suas imposições geram resultados. O GATT (Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio 1947) já previa em 1947 que essas cotas, se existentes, ficassem sujeitas a negociações visando à sua limitação, liberalização ou eliminação.

No Brasil, vigora desde 2001, com a criação da ANCINE, uma política de cotas atípica, por vinte (20) anos, ou seja, até 2021, no setor de exibição cinematográfica. Atípica porque o número de dias da cota, por delegação do artigo 55 da Medida Provisória 2228-1/2001 é fixado anualmente por um Decreto do Presidente da República e não por lei. O correto teria sido estabelecer na própria lei os critérios desta cota, sua limitação e forma de eliminação.

Ocorre que anualmente às vésperas da virada do ano, enquanto todos estão desembrulhando presente e se preparando para pular ondas na praia, um novo Decreto de cota de tela aparece, com novas regras, incrementando dias e outros detalhes que surpreendem a lógica das cotas.

A primeira surpresa é justamente a falta de exposição formal de critérios objetivos para as novas regras. Uma vez que a fixação da cota dependeria não apenas de serem ouvidas as entidades representativas dos produtores, distribuidores e exibidores (art. 55 da MP), mas da justificativa que deve acompanhar todo ato administrativo, em particular um Decreto, ato vinculado e subordinado.

Todavia, o recente Decreto 8.176/2013 novamente elevou a cota de tela, notadamente para os cinemas com mais de seis (06) salas, como aumentou o número de títulos que tais cotas devem ser cumpridas, agravando esse número ainda mais para os cinemas de mais de 05 (cinco) salas. Vale notar que sequer há previsão legal para que seja fixado por Decreto um número mínimo de títulos para cumprimento da cota. Essa exigência que cria dificuldades adicionais ao exibidor para cumprir a cota, afronta a própria MP 2228 e o citado acordo GATT 47, que se restringem exclusivamente ao número de dias mínimo de exibição, em prazo não inferior a um ano.

Esse agravamento conflita de forma mais grave com os resultados e recordes obtidos pelo cinema brasileiro de 2013, onde os filmes brasileiros atingiram participação de mercado em público de 18,6%. O sucesso de público e de bilheteria seria um fator para redução da cota e seus encargos e não de aumento. Trata-se do paradoxo do sucesso. A cota vem, via de regra, com o objetivo de ser extinta. Se ela prestou a algum resultado no passado, atualmente se mostra desnecessária.

A elevação da cota é, portanto, o descumprimento do seu propósito, como mecanismo regulador excepcional, temporário, limitado e visando sua própria extinção. O agravamento do número de títulos é outro contrassenso uma vez que o número de títulos que atingem níveis de público e renda relevantes vem aumentando ano a ano. A cada conquista o Decreto vem impondo maiores penalizações, quando, repita-se, o esforço do mercado deveria ser reconhecido, deixando o público ir ao encontro do cinema brasileiro, sem impor novas restrições que são custosas ao exibidor, inibindo o investimento em novos complexos cinematográficos, notadamente aqueles de mais de 05 (cinco) salas.

Decididamente a intervenção do Estado brasileiro na questão da cota cinematográfica é uma política de engessamento e penalização do sucesso. Tanto do produtor na conquista do seu público, quanto do distribuidor e do exibidor, que têm que investir tempo e dinheiro no carregamento de títulos em salas vazias, muitas vezes sacrificando a sustentabilidade dos negócios.

Os prejuízos pelas falhas aqui mencionadas do Estado brasileiro na política de cotas, tanto na falta de justificativa, quanto na falta de legalidade e violação a tratados internacionais podem vir a ser objeto de contestação e pedidos de ressarcimento indenizatório. Em síntese, quando era para o mercado estar comemorando, o Estado salga o prato no qual todos comem.