O remédio matando o doente

Marcos Alberto Sant Anna Bitelli

Jornal do Video São Paulo: Videopage, pág. Pg. 39

Novo Decreto Presidencial de fiscalização e penalidades

O Presidente da República revogou o original Decreto nº 5.054, de 23 de abril de 2004, que dispõe sobre o procedimento administrativo para aplicação de penalidades por infrações cometidas nas atividades cinematográficas e videofonográficas e em outras atividades a elas vinculadas, e dá outras providências editando o novo e vigente Decreto nº 6.590, de 1º de outubro de 2008, que trata exatamente dos mesmos temas: o procedimento de fiscalização das empresas dos diversos segmentos do audiovisual; as regras de apuração das infrações e as penalidades.

Na prática, não se denota grandes alterações de substância até porque o decreto deve se subordinar aos artigos da Lei, no caso a Medida Provisória 2228-1/2001, com as alterações promovidas pelas Leis 10454/2002 e 11437/2006. A MP 2228 já dizia no art. 60 que o descumprimento ao disposto nos arts. 17 a 19, 21, 24 a 26, 28, 29, 31 e 56 da referida Medida Provisória sujeitaria os infratores a multas de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais), na forma do regulamento, que foi emanado pelo então Decreto 5054 de 2004.

Com a Lei 11.437 de 2006 nos seus artigos 14 a 17 que alterou as regras de algumas infrações da MP 2228 e criou novas infrações, multas e limites de imposição de penalidades, havia a necessidade de um novo Decreto e foi o que foi feito pela nova norma agora de outubro. Na verdade a Ancine percebeu que a infração aos artigos 18 (relatórios obrigatórios), 22 (registro obrigatório das empresas) e 23 (comunicação obrigatória de produção de obra estrangeira) não tinham penalidades previstas na Medida Provisória e, portanto, não poderiam ser cobradas com base apenas num decreto – princípio da legalidade – o que significa que antes de outubro de 2008 estas infrações não poderiam ser apenadas. O mesmo ocorreu com a inserção pela Lei 11.437/2006 dos novos artigos 10 (sistema obrigatório de controle de receitas para video doméstico) e 11 (informações sobre os contratos onde haja co-produção com dinheiro incentivado), que não existiam na MP 2228-1 que passaram a ter uma penalidade no artigo 14, tudo isso agora regulamentado pelo novo Decreto, que vem um pouco para tentar “por ordem na casa” dos textos relativos às infrações e penalidades.

Ao mesmo tempo o novo Decreto diminuiu um ou outro limite mínimo das multas, que estavam muito altas no texto anterior, o que não significa que continuem impossível de serem pagas, fato este que só vem a piorar ainda mais os problemas econômicos já graves de todos os segmentos de mercado que sofrem com a pirataria e a concorrência da internet.

O novo decreto aumenta o prazo para recolhimento das multas de cinco para dez dias (art.10,IV) e dá poderes para a Ancine prorrogar o prazo de 30 dias para defesas, evitando que muitas penalidades sejam arbitradas por perda de prazos. Permite ainda uma redução da multa em 15% em caso de “confissão” ou compromisso de regularização da infração. Toda a infração, agora, indistintamente tem como limite de multa o valor de 5% do faturamento bruto mensal da empresa autuada.

Em suma, uma enorme energia legal dispensada para regular um gigantesco esforço fiscalizatório de atividades do audiovisual que encolhem a cada dia por diversos fatores que não vem ao caso aqui relembrar. O que nos parece é que a Ancine, como se previa, agora é vítima de sua própria criação. Como ente público que tem a função que “fomentar” os diversos segmentos da indústria do audiovisual, pouco consegue fazer para o crescimento do audiovisual formal. Paradoxalmente, por ser ente público, tem que “obedecer” às leis e decretos que a obrigam a fiscalizar e autuar os agentes econômicos que lutam para sobreviver no setor, autuando-os e multando-os por “infrações” a obrigações inúteis que não são voltadas a fomento, crescimento econômico e universalização do audiovisual brasileiro. É o remédio matando o doente aplicado por um médico constrangido.