O que é um ingresso de cinema?

Marcos Alberto Sant Anna Bitelli

Revista Exibidor São Paulo: Tonks, pág. 42

As salas de cinema são movidas a público e esse movimento depende de um papelzinho impresso conhecido como “ingresso” ou “entrada”. Esse elemento integrante e emblemático da vida da exibição tem múltiplos significados e consequências.

As salas de cinema são movidas a público e esse movimento depende de um papelzinho impresso conhecido como “ingresso” ou “entrada”. Esse elemento integrante e emblemático da vida da exibição tem múltiplos significados e conseqüências. O ingresso é, antes de mais nada, uma licença autoral. Essa licença é regida pela Lei 9610/1998, no Brasil, quando o espectador adquire o direito de assistir a um filme na sala de exibição. Os direitos autorais são direitos que se interpretam restritivamente. Por este motivo, o espectador ao adquirir um ingresso, compra o direito exclusivo, limitado e restrito de visualização da obra cinematográfica, naquele local e data combinados. É posto um contrato autoral. Como decorrência dessa relação jurídica o espectador não pode (e não deve) realizar nenhuma outra ação: copiar, fixar, reproduzir, filmar, fotografar (ou qualquer outra ação por qualquer meio ou processo), a obra exibida nas telas, sob pena de infração ao contrato autoral que lhe foi concedido pelo exibidor (que adquire este direito do produtor por mediação da distribuidora). A infração a esse contrato de direito de visualizar pelo espectador pode fazer surgir os direitos de sanções penais e civis.

Contudo, além de um contrato autoral o ingresso também é o “recibo” da prestação de um serviço. Ainda que seja uma licença autoral, o fornecimento do direito de assistir um filme de cinema foi eleito como sendo uma “prestação de serviços” pela Lei Complementar 116 que trata das atividades que se submetem ao regime da tributação do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN). Compete ao Município onde o cinema está instalado arrecadar e fixar a alíquota e base de calculo desse tributo. Além de ser o recibo de pagamento, por haver um tributo envolvido, há a obrigação de emissão de nota fiscal. Portanto, em diversos Municípios onde a lei autoriza, o ingresso emitido pelo exibidor pode ser o substituto da Nota Fiscal de Prestação de Serviços. Há casos em que são admitidos regimes especiais e outros que surge a questão da necessidade de emissão de notas fiscais eletrônicas, onde o ingresso precisa fazer parte de um sistema mais complexo.

Não fossem suficientes essas conseqüências a aquisição de um ingresso implica numa relação jurídica de consumo entre o exibidor e o espectador, submetendo este papelzinho não apenas à Lei Autoral, mas também ao Código de Defesa do Consumidor – CDC – Lei (8078/1990), que traz uma série de conseqüências (inclusive a obrigação de deixar uma via deste Código impressa na bilheteria a disposição do espctador). O CDC é uma lei que visa a harmonizar a relação entre fornecedor e consumidor, que diz que são direitos básicos do consumidor: a proteção da vida, saúde e segurança; a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem; a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços; a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos; a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências.

Por tudo isso, percebe-se que um ato cotidiano da exibição envolve complexas relações jurídicas, nem todas explicitadas nestas poucas linhas, que pelo hábito muitas vezes sequer nos damos conta. Um ingresso a mais, um contrato a mais e vários direitos adicionados.