O justo e o legal

Marcos Alberto Sant Anna Bitelli

Revista Exibidor São Paulo: Tonks, pág. 50

É uma velha lição do Direito que não existe relação entre o querer e o poder, bem como não se concordam o justo e o legal. Nem tudo que é legal é justo e nem tudo que é justo é legal. Portanto, no sistema Constitucional brasileiro, quem aplica a lei não pode lhe negar vigência ou aplicação sob a intenção, desculpa ou motivação de realizar a justiça, no sentido filosófico.

É uma velha lição do Direito que não existe relação entre o querer e o poder, bem como não se concordam o justo e o legal. Nem tudo que é legal é justo e nem tudo que é justo é legal. Portanto, no sistema Constitucional brasileiro, quem aplica a lei não pode lhe negar vigência ou aplicação sob a intenção, desculpa ou motivação de realizar a justiça, no sentido filosófico. A realização da Justiça de dá pela aplicação da norma ao fato concreto. E a norma das normas é a Constituição Federal. Dela emanam os princípios de todo o sistema legal, que pode não ser certo ou justo. O conflito entre uma norma e a Constituição não faz a regra justa ou injusta, mas sim inconstitucional. Os países como o Brasil que optaram constitucionalmente pelo Estado Democrático de Direito, como ensinam os professores, é um conceito que se aplica a garantir o respeito das liberdades civis. Ou seja, o respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais, por meio do estabelecimento de uma proteção jurídica, também é fundamental que a Lei seja a expressão da vontade popular, exercida por meio de seus representantes eleitos ou de forma direta. Por isso, o primeiro artigo da Constituição Federal expressamente diz que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito, conforme está descrito no artigo 1º: “I- a soberania; II- a cidadania; III- a dignidade da pessoa humana; IV- os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V- o pluralismo político. E ainda no seu parágrafo único acrescenta que: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. O Brasil vive um momento bastante complexo em termos econômico, político e institucional, o qual freneticamente todos querem resolver tudo por meio de normas, regras e regulamentos como se fosse possível dizer como Deus: “façam-se” todas as coisas e elas acontecessem. Esse modelo de busca da solução de aflições que muitas vezes podem ser justas esbarra muitas vezes na legalidade, ou seja, no que é legal, no sentido mais amplo. A tolerância individual ou coletiva por regras ilegais (por mais justas que pareçam ser) representam um efeito corrosivo à estrutura e aos pilares do que se chama Estado Democrático de Direito, em particular quando uma regra aqui ou ali nos favorece. Dessa prática surge o casuísmo. A exibição é uma atividade econômica privada como qualquer outra e tem como pilar o Estado Democrático de Direito. A atividade recebe dia a dia influências de regras e mais regras em todo nível de governos, que vão encurralando o Exibidor de obrigações que não acabam: embale os óculos 3D a vácuo; exiba filme antidrogas na tela; exiba campanha de menores desaparecidos; dê ingresso grátis para idosos; dê meia-entrada para idosos e estudantes, inclusive de escolas particulares; dê meia-entrada para professores; dê meia-entrada para orientadores educacionais e assistentes de ensino; dê ingressos grátis para quem doar sangue; não faça promoções sem autorização da Caixa Econômica; empregue pessoas com necessidades especiais, mesmo que sua atividade não seja apropriada para determinadas deficiências; pague adicionais de horas para os operadores “limparem o carvão dos projetores”; numere seu ingresso; obtenha regime especial para não pagar impostos adiantados; exiba filmes brasileiros por um determinado número de dias, quando conseguir, aumente o número de dias, quando conseguir, cumpra com diversidade de títulos, quando conseguir aumente o número da diversidade de títulos; limite o número de cópias de um lançamento cinematográfico; limite o número de salas de um complexo para lançar um filme; envie um relatório dos filmes que exibe; envie um relatório dos filmes brasileiros que exibe; faça relatórios por semestre, mês, semana, depois “online”; ligue tudo isso em um sistema privado, depois num sistema público do Estado; entregue cópia de um contrato para o Estado; esse não tem problema…. é justo…. entregue outro, mais outro, e mais outro. Epa! Esse tinha problemas, bom agora já foi. Em conclusão, o privilégio aos princípios do Estado Democrático de Direito, do qual decorre o princípio da legalidade, pode muitas vezes não atender um interesse particular determinado individual e momentâneo (que seria justo), mas é a garantia de que a somatório dessas pequenas intervenções no negócio da Exibição não se avolumem a ponto de tornar insuportável a atividade privada. É tudo uma questão de ver a atividade como a programação da próxima semana, do mês seguinte, do próximo ano ou da vida toda.