Entendendo a Classificação Indicativa

Marcos Alberto Sant Anna Bitelli

Jornal do Video São Paulo: Videopage, pág. pg. 76

Entenda, primeiro, o que diz o Sistema de Proteção à Criança e ao Adolescente

Constantemente o tema classificação indicativa volta à tona. Para entender a classificação indicativa de conteúdos audiovisuais é preciso que se compreenda o sistema de proteção da criança e do adolescente vigente no nosso País.

Infância e Adolescência: Proteção prioritária. A Constituição Federal no artigo 227 determina que é dever, com absoluta prioridade, da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente diversos direitos, dentre os quais o direito à vida, à saúde, a alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização , à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, colocados a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. Isto significa que quando se for analisar potenciais conflitos de direitos que se têm, os da criança e do adolescente terão prioridade e prevalecerão.

Dever do Estado de Classificar: Para a realização de alguns destes direitos a própria Constituição determinou no artigo 220, I, que cabe ao Poder Público informar sobre a natureza das diversões e espetáculos públicos, informando sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, bem como locais e horários em que as apresentações se mostrem inadequadas. Daí surge a obrigação do Governo, cumprida através do Ministério da Justiça, de exercer a classificação indicativa.

As restrições da lei: Baseada no fundamento constitucional foi editado o Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA, (Lei 8069/1990) que dispõe sobre a proteção integral da criança e do adolescente, assim entendidos os menores de 12 e 18 anos respectivamente. É nesta lei que se encontram detalhadas as restrições e sanções ao descumprimento dos deveres de proteção integral e prioritária. Portanto, não é o Ministério da Justiça (MJ) a fonte das determinações de proteção, mas a Lei e a Constituição. Ao MJ compete apenas fazer a análise e classificação, indicação do conteúdo, rotulando aquele conteúdo, como alguém que coloca uma tarja vermelha ou preta numa embalagem de medicamento. O MJ apenas edita Portarias que são regras administrativas relativas ao procedimento de classificação dos produtos e não pode estabelecer multas, sanções ou punições. E, por isso mesmo, não o faz. O MJ exaure sua função com o processo de classificação dos produtos.

O setor do Home Vídeo obedecendo o ECA:

1. A distriduibora: A distribuidora de DVDs deve na forma do artigo 77, parágrafo único do ECA, exibir no invólucro, informação sobre a natureza da obra e a faixa etária a que se destinam. Ao mesmo tempo, para permitir que as videolocadoras e os pais possam se orientar, devem submeter o produto à classificação indicativa junto ao Ministério da Justiça. O procedimento de classificação se encontra previsto na Portaria 1.100 de 14 de julho de 2006. O artigo 15 determina que a distribuidora tenha o dever de fornecer o produto e veiculá-lo com a simbologia determinada no Manual de Classificação indicativa. O parágrafo único deste mesmo artigo explicita os detalhes desta informação. Os trailers, chamadas ou congêneres referentes ao produto podem ter classificação independente, desde que veicule a classificação do produto principal. Nos casos em que o produto principal ainda não tenha sido classificado, o trailer, chamada ou congênere deve veicular, na forma prevista nesta Portaria a frase: Verifique a classificação indicativa. O bom senso recomenda que não se misture material de divulgação de filmes de classificação indicativa superior em produtos de classificação inferior, mesmo que tal material venha acompanhado da frase, “verifique a classificação indicativa do filme”. Isto porque este aviso não afasta a responsabilidade do distribuidor de manter vigente a proteção integral da criança e do adolescente. A permissão para classificar o filme após o trailer não pode ser confundida com autorização para exibir o trailer para qualquer público, apenas transfere a responsabilidade de cumprir a proteção integralmente ao ofertante do produto.

2. A Videolocadora e as lojas de varejo: Estes estabeleciumentos também estão incluídos na obrigação do art. 15, mais as do art. 16 da Portaria 1100. O art. 16 recomenda que as lojas e locadoras coloquem em local de fácil leitura a seguinte informação: “O ministério da justiça recomenda: Srs. Pais ou Responsáveis, observem a classificação indicativa atribuída a cada diversão pública. Conversem com as crianças e adolescentes sobre as inadequações indicadas antes de exibir conteúdo impróprio à sua faixa etária”.

Multas e sanções: As penalidades existentes não podem e não são aplicáveis pelo Ministério da Justiça, mas sim pelo Poder Judiciário. São de ordem administrativa. Para a locadora ou loja que vender ou locar vídeo em desacordo com a classificação indicativa, a pena é de multa de 3 a 20 salários de referência; e, em caso de reincidência o Juiz poderá determinar o fechamento do estabelecimento por até 15 dias (ECA, art. 256). Para a distribuidora não há uma multa específica, mas poderá ser determinada a suspensão da comercialização do produto em desacordo ao sistema de classificação.

A fiscalização: Todo cidadão, uma vez que se trata de um dever coletivo da sociedade, como determina o art. 227 da CF, está legitimado a averiguar o cumprimento das regras de proteção à criança e ao adolescente, podendo encaminhar ao Ministério da Justiça, ao Conselho Tutelar, ao Ministério Público, ao Poder Judiciário e ao CONANDA – Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente, sua denúncia. Portanto, não existe um fiscal do Governo para cuidar do assunto, mas muitos agentes públicos legitimados, juntamente com toda a sociedade, para o exercício do controle do atendimento dos procedimentos e dos direitos protegidos.

A publicidade: A questão da publicidade dos produtos audiovisuais merece uma análise à parte. A publicidade não é regrada pela Portaria 1100. Quando se trata deste assunto há que se fazer uma interpretação conforme de uma série de regras e bom senso. A primeira é que o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8078/1990) trata da publicidade e no art. 37 que contém regras que consideram abusivas a publicidade que se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança e do adolescente. O CONAR que trata da auto-regulamentação da publicidade condena uma série de descuidos em relação à criança e ao adolescente. Estas regras são dirigidas aos anunciantes, às agências e aos veículos. Por exemplo, o artigo 33 do CAP condena anúncios que deixem de alertar para os cuidados exigidos pelo uso do produto por crianças. A Seção 11 (art. 37) especificam as regras para a formatação de anúncios em relação à criança e ao adolescente. Consulte em: http://www.conar.org.br/ Código de Auto-regulamentação.

A publicidade em revistas e nas lojas (banners e cartazes):

Tendo em vista o risco da publicidade impressa em revistas especializadas e realizadas em bancas poder ser eventualmente considerada um “congênere” do trailer ou chamada (Portaria 1100, art. 17), referente ao produto (o que não é líquido e certo) é recomendável que o anúncio seja acompanhado da classificação indicativa do filme ou da menção, “verifique a classificação indicativa”. Todavia, este cuidado não basta quando se analisa, caso a caso, o conjunto da obra. Isto porque não se pode pelo simples fato de se colocar esta frase no material publicitário que ele possa ser distribuído, impresso em revista ou exibido no salão da loja de forma irresponsável, sem atentar para o interesse de proteção integral da criança e do adolescente. Em síntese, um cartaz de um filme adulto não deve estar acessível na parte da loja onde tenha acesso a criança e o adolescente. O material impresso publicitário de filme impróprio deve cumprir à regra do art 78 do ECA que diz que as revistas e publicações contendo material impróprio ou inadequado a crianças e adolescentes deverão ser comercializadas em embalagem lacrada, com advertência de seu conteúdo. Já quando contiver material pornográfico, ou obsceno devem ser protegidas por embalagem opaca. É isto o que acontece com as revistas e magazines em geral, nas bancas. A revista Playboy, por exemplo, é vendida lacrada em plástico transparente, as pornográficas, em plástico leitoso opaco. Assim, a publicidade externa outdoors, busdoors, banners e nas revistas nada tem relação com as Portaria de classificação indicativa, mas sim com as regras de publicidade em geral. A Classificação Indicativa das obras audiovisuais tem a ver com o conteúdo do filme que será assistido. O material publicitário, tem a ver com o conteúdo da publicidade editada, valendo as regras da publicidade e da proteção integral da criança. Vale bom senso e responsabilidade. Portanto, a produção do material de divulgação de obras audiovisuais deve ser adequada para cada local que for destinado: revista para adultos, revista em banca, revista fechada para clientes, salão de loja, outdoor, televisão ou cinema. Cada destinatário tem suas características. Por exemplo, o cinema não fará publicidade de filme inadequado em sessão de filme infantil. A televisão não fará publicidade de filme inadequado em horário livre. A revista não fará publicidade de filme inadequado em publicação destinada a crianças. A locadora não colocará material de filme pornográfico em local de acesso a crianças e adolescentes. E, todos procuração produzir material publicitário com o menor poder ofensivo possível aos interesses da criança e do adolescente; em atenção às regras da publicidade abusiva da defesa do consumidor e à auto-regulamentação do CONAR. Em síntese, não é o Ministério da Justiça que pode atrapalhar a divulgação de material publicitário, mas somente a falta de bom senso. Não há regra que impeça ninguém de fazer publicidade de seu produto ou serviço, salvo as exceções constitucionais ligadas a tabaco, álcool, agrotóxicos, medicamentos e terapias. Colocar a classificação indicativa (se já a tiver) ou a frase de advertência é um bom começo. O resto é ter juízo mesmo, o que parece ser a regra do setor de vídeo-doméstico que tem atuado com responsabilidade e cuidado no trato deste assunto.