Cota Zero!
Marcos Alberto Sant Anna Bitelli
Cota Zero! - Revista Jornal do Vídeo São Paulo: Videopage, pág. 30
A Política de “Reserva de Mercado”
Há muito vimos comentando neste espaço sobre os efeitos nefastos da chamada “cota de tela” no setor audiovisual brasileiro, que já vigora para as salas de cinema, ameaça o setor de vídeo-doméstico – não bastasse a pirataria e a internet – e agora surge como uma iniciativa limitadora da atividade das programadoras e operadoras de televisão por assinatura, através do Projeto de Lei 29/2007 da Câmara dos Deputados.
O primeiro erro destas cotas é chamá-las de “cota”. Trata-se, em verdade, de uma política de reserva de mercado. O termo “cota” é usado para ações afirmativas de proteção de pessoas em condições de exclusão. Exemplos disso no Brasil são as cotas para mulheres no Congresso Nacional, as cotas para afro-descendentes nas Universidades, as cotas para deficientes físicos no mercado de trabalho e outras tantas. Tais políticas afirmativas, contudo, em que pese seu caráter de “bem intencionadas”, são alvo da mais viva e fervorosa controvérsia, ora inspirando preconceitos, ora fomentando exatamente aquilo que queriam evitar: antagonismos, preconceitos e desincentivo ao mérito.
No caso do audiovisual, a “reserva de mercado” para o produto brasileiro, é também uma forma de desincentivo ao mérito pela falta de compromisso do protegido com o sucesso de seu negócio, da produção, e não se justifica enquanto ação afirmativa de caráter social posto que na verdade não visa a proteger pessoas mas sim a interferir na atividade econômica e no exercício de acesso à diversidade.
As críticas que temos feito ao modelo, que agora se quer importar para outras mídias além dos cinemas, todavia, não são gratuitas. Não se cria demanda através de “reserva legal”, mas se criam custo, encargos e distorções pela falta de visão de que uma política de tal ordem há que ser justificada, mínima, temporária e necessariamente decrescente.
O MINISTÉRIO DA FAZENDA, através da Secretaria de Acompanhamento Econômico emitiu Parecer Analítico sobre Regras Regulatórias nº 12 COGCM/SEAE/MF, no final de dezembro de 2007, como contribuição à Consulta Pública da instrução normativa que regulamenta o cumprimento e a aferição da exibição obrigatória de obras cinematográficas brasileiras de longa metragem pelas empresas de cinema. Tal parecer se baseando no Roteiro de Análise Concorrencial elaborado pela OCDE em 2006, o qual conjuga avaliação concorrencial à análise de impacto regulatório, explicita que a reserva de mercado se trata de “uma medida regulatória que impõe limites à capacidade de alguns ofertantes de prover determinado produto”. Isso quer dizer que a obrigatoriedade da reserva de dias para exibição de filmes nacionais implica restrições à livre oferta de filmes estrangeiros por meio das distribuidoras internacionais e, por conseqüência, eventuais prejuízos ao setor, considerando que a demanda por filmes nacionais é significativamente menor”. Em síntese, não há dúvidas de que o setor econômico que tem que suportar os custos desta exibição descolada do interesse do consumidor sofre prejuízos, como sempre explicitamos. O citado parecer acrescenta ainda que: “A cota de tela, ao representar uma forma de intervenção ao livre funcionamento do mercado, pode gerar uma arrecadação menor em termos de bilheteria, dada a preponderância do filme estrangeiro no setor. Tendo em vista que um dos princípios nos quais a mencionada minuta de instrução normativa baseia-se é a auto-sustentabilidade do setor, sugere-se que o número de dias previstos anualmente para cota de tela seja reduzido gradativamente até o término do prazo previsto para 2021, conforme o citado artigo 55, da MP nº 2.228-1/2001. Isso irá forçar o setor a criar mecanismos de atratividade do produto nacional, de forma a diminuir, ao longo do tempo, a dependência a essa regra regulatória”. Este é outro ponto que defendemos há muito, isto é, desde o ressurgimento da cota do cinema em 2001, não se vê a programação de uma tabela regressiva de cota impositiva da reserva de mercado, como seria de sua natureza. Ao revés, houve em determinado momento o aumento da reserva, como se através da crescente imposição da obrigatoriedade o mercado do produto nacional fosse crescer.
Pelo que se vê do PL 29 acima citado, o país não toma nota das lições e procura insistir num modelo de engessamento das mídias através de fracassadas políticas de reservas de mercado, que vêm sempre associadas a inúmeros embaraços regulatórios e burocráticos adicionais. Como conclui o parecer da própria SEAE : “A criação de outras ingerências quanto aos critérios de escolha do exibidor pode gerar distorções e perdas de arrecadação. Por exemplo, caso surja um outro filme nacional com potencial de bilheteria maior, o exibidor não poderá exibí-lo se estiver enquadrado nas circunstâncias previstas(…). Sendo assim, dado o alto grau de imprevisibilidade de faturamento desse setor, considerando as características intrínsecas do produto audiovisual, recomenda-se menos ingerências no intuito dos agentes poderem maximizar as oportunidades de ganhos, desde que cumprida a reserva de dias prevista”. Basta olhar para o passado, no setor da informática para lembrar-se que os brasileiros pagavam preços muito mais elevados que os encontrados no exterior, para adquirir produtos de qualidade inferior, fabricados no Brasil, que na maioria dos casos eram montados com componentes contrabandeados de países asiáticos. As reservas de mercado para o audiovisual, um produto universal, uma linguagem dinâmica e em constante mutação de formatos decorrente das possibilidades da convergência tecnológica, somente se prestarão ao enfraquecimento de segmentos tradicionais, encarecimento dos custos de consumo, diminuição da acessibilidade à diversidade cultural, de informação e entretenimento e incentivo à pirataria. Um erro regulatório a ser evitado ou “zerado”.