Burocracia adiada, mas não evitada
Marcos Alberto Sant Anna Bitelli
Revista Jornal do Vídeo São Paulo: Videopage, pág. 74
Talvez sirva para o Estado brasileiro acompanhar a queda do mercado de vídeo doméstico por força da pirataria, esta sim, descontrolada.
A Ancine publicou a Instrução normativa 69, de 25 de fevereiro de 2008, altera o prazo para entrada em vigor do envio obrigatório do relatório de comercialização de obras audiovisuais, pelas empresas distribuidoras, que atuam no segmento de vídeo doméstico, previsto no artigo 18 da Medida Provisória n°. 2228-1/01, regulamentado pela Instrução Normativa nº 64, de 18 de outubro de 2007. As obrigações previstas entram em vigor agora em 02 de junho de 2008. Portanto a partir de junho as informações relacionadas no anexo I da IN 64, devem ser prestadas, organizadas por título da obra, suporte, modalidade, estratégia comercial e mês de comercialização, integrarão relatório a ser enviado à ANCINE, trimestralmente, até o dia 30 (trinta) do mês subseqüente ao período relatado. O tal Anexo I especifica um número enorme de informações que são exigidas para o relatório de comercialização de obras audiovisuais no mercado de vídeo doméstico. Realmente nem o setor de armamentos e de medicamentos têm que disponibilizar tanto controle e informação. A utilidade destas informações é que ninguém sabe ao certo. Talvez sirva para o Estado brasileiro acompanhar a queda do mercado de vídeo doméstico por força da pirataria, esta sim, descontrolada. As informações solicitadas vão desde dados completos da empresa distribuidora até dados mais sensíveis relacionados ao filme comercializado. As informações de comercialização são tão detalhadas que desafiam até os princípios da liberdade de concorrência e do exercício da empresa. A Ancine quer saber até as estratégias comerciais, as modalidades e canais de negócio, tais como locação (venda para videolocadoras para locação); data de lançamento e entrega em videolocadoras; os suportes de comercialização; indicação de uma entre três práticas de mercado (será que não podem existir mais de três ?): “lançamento”, “catálogo”, “promoção” ou “outras práticas comerciais”; número de cópias comercializadas; número de cópias faturadas em cada modalidade de comercialização; modalidade varejo (venda para lojas e redes varejistas físicas ou virtuais): somatório das receitas auferidas com a quitação das cópias faturadas em cada modalidade; número de cópias devolvidas à distribuidora pelas lojas do varejo (não devem ser incluídas as cópias devolvidas para troca em função de defeitos que serão repostas com cópias da mesma obra); somatório dos valores das cópias devolvidas à distribuidora pelas lojas. As informações deverão ser apresentadas separadamente para cada um dos quatro grupos de práticas ou estratégias comerciais: a) venda em período de lançamento; b) venda em catálogo c) promoção; e d) outras práticas comerciais, como vendas para distribuição como brinde, venda para associação com outro produto (pacotes – bundling, encartes para revenda em bancas de jornais ou lojas varejistas), entre outras. Os relatórios deverão ser enviados por meio eletrônico, segundo modelo a ser publicado no portal www.ancine.gov.br . Desde que com autorização prévia e expressa da ANCINE e a seu exclusivo critério, poderão ser aceitos relatórios apresentados em formatos diferentes do modelo padrão. Em procedimento de avaliação dos relatórios, a ANCINE poderá realizar diligências e solicitar novas informações ou documentos, com o objetivo de complementar, retificar ou confirmar as informações apresentadas. O descumprimento da obrigação de envio dos relatórios de distribuição ou seu envio em desacordo com o disposto nesta Instrução Normativa sujeitará os responsáveis às sanções previstas no artigo 16 da Lei nº 11.437, de 28 de dezembro de 2006, na forma do seu regulamento que determina que o descumprimento sujeitará o infrator a multa de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais). Como se vê, as distribuidoras em breve poderão dispensar seus controles, suas controladorias e auditorias externas, uma vez que a Ancine passará a controlar praticamente tudo da vida íntima do exercício da empresa. É notório e é conseqüência natural de experiência em outros mercados que os excessos de regulação se traduzem em práticas que induzem à redução dos mercados e o incentivo à formalidade. No caso, o mercado já tem como dominante a pirataria, o que se materializa numa informalidade criminosa e não será este rigorismo a ferramenta a socorrer um setor que já sofre com as suas dificuldades pela inércia do Estado. É a burocracia.