Projeto que libera TV a cabo para teles será votado hoje

Elvira Lobato - Sucursal do Rio

Folha de S.Paulo

Texto causa polêmica por concentrar poder na Ancine e estabelecer cota mínima para canais de conteúdo nacional

Proposta se arrasta há dois anos na Câmara e opõe os interesses de empresas de TV paga, telefonia, produção de conteúdo e radiodifusão

O projeto de lei que autoriza as telefônicas a oferecer o serviço de televisão a cabo será votado hoje na Comissão de Ciência, Tecnologia e Comunicação da Câmara dos Deputados.

A última versão do projeto, apresentada pelo relator Paulo Lustosa (PMDB-CE), dá poder à Ancine (Agência Nacional de Cinema) para regular e fiscalizar a programação e o empacotamento de canais. Caberá a ela definir até o horário nobre na televisão paga.

De autoria do deputado federal Paulo Bornhausen (DEM-SC), o PL 29, como é conhecido, se arrasta há mais de dois anos por conta dos conflitos de interesse entre telefonia, televisão paga, radiodifusão e produção independente de conteúdo.

Ele prevê espaço para anúncios publicitários nos canais pagos igual ao da televisão aberta, do que alguns radiodifusores discordam. O SBT é contra tal proposta. “Achamos que as TVs pagas têm de se manter apenas com a receita da venda das assinaturas”, diz o diretor da emissora Guilherme Stoliar. A Record, segundo ele, tem a mesma posição.

A Globo, por sua vez, faz restrição ao poder conferido à Ancine para regular e fiscalizar um serviço privado.

Também os operadores de televisão paga e os programadores dos canais estrangeiros criticam o cunho estatizante do projeto. O advogado Marcos Bitelli, que assessora a Associação Brasileira dos Programadores de Televisão por Assinatura, diz que a palavra Ancine é citada 23 vezes no projeto. Para ele, as restrições aos programadores são inconstitucionais.

Dos quatro ramos empresariais da TV paga -produção de conteúdo, programação, empacotamento de canais e distribuição-, dois (empacotamento e programação) dependerão de registro prévio da Ancine para funcionarem.

O presidente da Ancine, Manoel Rangel, refuta as críticas. “Com a convergência tecnológica, é preciso haver regulamentação que separe a camada de audiovisual da de telecomunicações e proteger as empresas e o conteúdo brasileiros.”

O presidente da Sky (empresa de televisão paga via satélite, com 1,9 milhão de assinantes), Luiz Eduardo Baptista da Rocha, diz que o sistema de cotas obrigaria a empresa a descumprir contratos com seus atuais assinantes e com os programadores, pois teria que substituir canais estrangeiros por brasileiros para atender à cota.

Pelo projeto, um terço dos canais “qualificados” exibidos pelas TVs pagas tem de ser de conteúdo brasileiro. Segundo o presidente da Sky, os canais considerados qualificados seriam apenas os de filmes.

Para ele, o sistema de cotas não é eficiente e estimularia a criação de companhias de fachada para preencher a cota de empresas brasileiras.

Principais interessadas na aprovação do PL 29, as telefônicas não se envolvem no embate. Segundo o presidente da Abrafix (que representa as teles fixas), José Fernandes Pauletti, o texto do relator é o possível, embora não agrade inteiramente a nenhuma das partes. O texto proíbe as teles de manter direitos de exclusividade para transmitir shows e campeonatos, do que elas discordam.

O relator, Paulo Lustosa, vê condições para que o projeto seja votado hoje. Ele diz que também tem ressalvas ao sistema de cotas, mas que ainda não houve alternativa melhor.
Se o projeto for aprovado, seguirá para a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, onde não poderá sofrer modificações de mérito. Depois tem de ser aprovado no plenário da Câmara e no Senado.