Nem festa de casamento escapam

Renato Machado e Vitor Hugo Brandalise

O Estado de São Paulo

Fiscais do ECAD visitam e exigem pagamento; na Justiça, escritório cobra casais direito autoral.

Dois eventos bem diferentes, dois problemas semelhantes. A festa de casamento do casal Campanati, no Clube de Campo de Sorocaba, reuniu cerca de 600 convidados e foi amplamente divulgada em colunas sociais. Para cuidar da animação, o casal contratou um DJ, que executou trilhas típicas, de baladas melosas a hits dos anos 1970. A festa durou a noite toda. Mais modesto, o casamento de Kelly e Renato, em Vila Velha, no Espírito Santo, teve como palco o salão do Sindicato dos Panificadores e 150 convidados. Nas caixas de som, hinos evangélicos, na festa que acabou às 22 horas.

Gustavo e Luciana Campanati se casaram em fevereiro de 2005. Kelly e Renato (que preferem não dar o sobrenome), em junho de 2006. Ambos os casais enfrentam processos judiciais com o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) pelo não pagamento de direitos autorais. Nos dois casos, os valores ficavam em torno de R$ 200.

“Não é questão de dinheiro. Quando vi que as músicas que tocariam seriam cobradas, já me neguei a pagar. Foi um evento privado”, afirma o advogado Campanati, de 35 anos. Até aqui, o casal está obtendo sucesso na Justiça – em maio, ganhou a causa em segunda instância, sob o entendimento de que a festa era uma “extensão da moradia” e uma exceção da lei dos direitos autorais.

No caso capixaba, a decisão judicial foi oposta e acatou o argumento do Ecad de que partes envolvidas na festa obtiveram lucro (locação do salão, bufê e serviços de sonorização). A Justiça decidiu que o casal teria de pagar pelos direitos autorais das músicas tocadas no casamento. “O som foi quase todo instrumental, no tecladinho da igreja, e a gente também cantou bastante, seguindo um hinário”, conta Salovi, de 52 anos, pai da noiva. O juiz Victor Alcuri apontou que o casal teve “lucro indireto” com a festa, com “divulgação social da imagem” dos noivos. “Aí é palhaçada. Foi uma recepção simples, para pouca gente”, disse Salovi.

Em cidades menores, os casamentos são bastante divulgados e, por isso, recebem sempre as visitas dos fiscais do Ecad. Em São Paulo, há somente 12 agentes para fiscalizar todos os eventos da capital. Quem trabalha organizando festas conhece os perfis preferenciais dos fiscais: eventos com mais de 500 convidados, em clubes ou bufês conhecidos e com bandas. “Eu aconselho meus clientes a pagarem a taxa nesses casos, porque a probabilidade de um fiscal aparecer é grande”, diz a assessora de casamentos Samara Teixeira.

A forma como os fiscais estipulam a taxa também é controversa. Como não possuem a lista das canções, em alguns casos o valor corresponde a 10% do contrato de aluguel do clube e, em outros, o cálculo leva em conta a área ocupada pelo evento. “Em uma festa de 15 anos, o fiscal queria que entrasse no cálculo uma área verde que fica atrás do salão. Por isso, a taxa era de quase R$ 8 mil”, diz o advogado Marcos Bitelli, especialista em Direito da Comunicação.

O gerente jurídico do Ecad, Samuel Fahel, porém, argumenta que, “em todo evento que significar lucro para alguém, deve haver cobrança de direitos autorais”. “É simples. A música compõe a festa tanto quanto o salão que é locado, o bufê que foi contratado, as flores compradas. O autor, portanto, também deve receber pela utilização de seu trabalho, as obras por ele criadas”, defende Fahel.