Lei deveria seguir “novos tempos”, diz Felipe Hirsch

Carol Nogueira

Jornal Folha de São Paulo Folha Ilustrada: Folha de São Paulo, pág. E5

Diretor afirma que, mesmo sem autorização, livro conduz peça. Para especialista em direito autoral, citações de obras dependem de permissão do autor e devem ser nominais.

“Tarde da noite. Brooklyn, Nova York. Uma xícara de café e uma cadeira na janela. Estou ouvindo a uma mixtape de 1993.” O parágrafo abre o livro “Love Is a Mixtape”, de Rob Sheffield.

Troque NY por São Paulo, o café por chá e a cadeira por um sofá. Esse é o começo da peça “Trilhas Sonoras de Amor Perdidas”, da Sutil Cia., dirigida por Felipe Hirsch.

No mesmo trecho, skatistas que cantam hip-hop polonês viram skatistas da rua Augusta que escutam o rapper brasileiro Sabotage.

As músicas são algumas das poucas mudanças entre as obras. Mas as mais importantes são mantidas.

O grupo favorito de Sheffield e sua mulher, Renée, era Pavement. Na peça, também. No livro, eles se conhecem quando ela canta uma música da banda Big Star em um bar. Na peça, também.

De acordo com o art. 29 da lei 9.610, que regulamenta os direitos autorais, a utilização da obra depende de autorização prévia do autor para reprodução parcial ou integral, inclusive adaptações.

Segundo o advogado Marcos Bitelli, especialista na área, o uso depende de autorização, paga ou não. “Citações devem ser nominais.”

“Eu não acho que as leis de direitos autorais não sejam justas, só acho que elas devem prever formas novas em novos tempos”, diz Hirsch. Para ele, “o que se passa por questões de defesa de direitos artísticos às vezes camufla o domínio monopolizante de grandes corporações”.

CITAÇÕES

Há frases da peça de autores que não são citados como referência pela companhia, como “pro verme que vive dentro de um rabanete, o mundo todo é um rabanete”.

Esta é retirada do livro “O que Se Passa na Cabeça dos Cachorros”, de Malcolm Gladwell.

OUTRAS POLÊMICAS
O assunto não é novidade. De tempos em tempos, uma obra criada a partir de outra cria debate sobre autoria.

O livro “Axolotle Atropelado”, da alemã Helene Hegemann, causou burburinho por se apropriar de trechos de livros e blogs.

Uma das referências citadas por Felipe Hirsch é o “Grey Album”, de Danger Mouse. Lançado em 2004, o disco é um “mashup” (colagem) entre o “Black Album”, do rapper Jay-Z, e o “White Album” dos Beatles.

A gravadora EMI tentou conter a distribuição de “Grey”, mas falhou e o disco foi amplamente distribuído em blogs e sites. Isso só para citar alguns dos exemplos recentes.