Escolas de SP deixam de pagar direitos autorais em festas juninas

Pedro Venceslau

O Estado de São Paulo

Fiscais do ECAD visitam eventos e exigem pagamento; na Justiça, escritório cobra de casais direito autoral.

Escolas particulares de São Paulo, seguindo orientação do sindicato da categoria, decidiram não pagar direitos autorais pelas músicas tocadas em festas juninas realizadas dentro dos estabelecimentos. Até aqui, pelo menos três deixaram de pagar as taxas.

O Colégio Albert Einstein, de Interlagos, não pagou e ainda enviou carta, contestando a cobrança – R$ 200 -, dizendo que seria “ilegal”. “Festa junina é evento educacional, não visa ao lucro e, portanto, não deve pagar”, diz o diretor, Benjamin Ribeiro. Antes da festa, o Colégio de Jabaquara, no bairro de mesmo nome, resolveu notificar o Ecad que deixaria de pagar. O resultado foi a visita de um fiscal, que contou o número de participantes e cobrou diretamente na diretoria.

A diretora, porém, manteve a posição – um processo está a caminho. Foi o que aconteceu com o Colégio Miguel de Cervantes, no Butantã, notificado judicialmente no mês passado – um dos dois processos contra escolas abertos pelo Ecad no País neste ano. O argumento da instituição é de que, se há comércio na festa – cobrança na entrada e pelos comes e bebes -, direitos devem ser pagos.

Há equívoco na aplicação da lei, dizem advogados

Especialistas em Direito afirmam que ocorre uma interpretação “muito linear” da legislação e, por isso, há avalanche de cobranças e ações judiciais por parte do Ecad. “A lei dá exemplos de locais que são considerados públicos. Mas todos os casos estão sendo tratados como iguais e não funciona assim”, diz o especialista em Direito da Comunicação Marcos Bitelli.

Ele acrescenta que falta legislação específica para a cobrança. “A mesma música que o Ecad diz que ajuda a entreter os clientes de um local também irrita outros. Então, o Ecad tem de indenizar o dono se esse cliente for embora?”, questiona.

A mesma opinião tem o professor da Universidade de São Paulo (USP) Rui Camargo Viana. “A lei é clara, mas seu alcance é grande, atinge muitas pessoas e instituições. Em alguns casos, o estabelecimento tira vantagem das músicas, mas em outros ele mais ajuda a divulgá-la do que se beneficia.”

Para o professor Bruno Magrani, do Centro de Tecnologia e Sociedade da Fundação Getúlio Vargas, no Rio, o Ecad radicaliza a interpretação da lei. “Há uma política clara de aumentar a arrecadação, talvez criada para compensar perdas recentes da indústria cultural, das gravadoras, prejudicadas pela competição com a internet”, diz. “Mas isso não pode atingir a sociedade, vindo logo do órgão que monopoliza um serviço no País.”

Outro motivo de críticas diz respeito aos critérios de arrecadação em locais de difícil acesso. “Em lugares cuja cobrança é difícil de julgar, como num quarto de hotel, por exemplo, causa confusão e descrédito”, diz Magrani. Nesses casos, o Ecad cobra por amostragem estatística, numa tabela criada pela própria instituição. “Essa desconfiança não poderia existir num órgão único no País. A transparência deve ser total.”

CPI aponta fraudes nos procedimentos do Ecad

As distorções e possíveis fraudes cometidas pelo Ecad foram alvo de investigação por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa paulista, que teve o relatório final publicado no início do mês passado. Segundo o documento, a apuração identificou que há indícios de “falsidade ideológica, sonegação fiscal, apropriação indébita, enriquecimento ilícito, formação de quadrilha, formação de cartel e abuso do poder econômico”. Todo o material foi encaminhado ao Ministério Público Estadual.

O presidente da CPI, deputado Bruno Covas (PSDB), afirma que grande parte dessas distorções é conseqüência da ausência de conselhos nacionais e estaduais para fiscalizar o órgão. “O Ecad obtém um monopólio por lei e ele dita as próprias regras. Se ele diz que a música A vale mais que a B, vai ser assim”, diz o deputado.

Além das irregularidades na arrecadação, a CPI também identificou problemas na distribuição dos valores. O Ecad é formado por dez associações artísticas, mas haveria diferenças nas remunerações de cada uma. “Nós ouvimos depoimentos de artistas, afirmando que trocavam de associações para poder receber os direitos autorais, porque algumas delas são simplesmente excluídas do processo”, diz Covas.